1. Introdução
O projeto PoolFire foi desenvolvido para abordar as limitações da Norma Técnica CETESB P4.261, que estabelece diretrizes simplificadas e conservadoras para a avaliação de vazamentos de dutos enterrados de petróleo e derivados. Essas diretrizes geralmente superestimam a área da poça formada, sem considerar variáveis importantes como as características do fluido, o tipo de solo e a dinâmica de escoamento. O principal objetivo do projeto PoolFire foi desenvolver um modelo matemático simplificado que possa estimar o volume de líquido vazado de dutos enterrados que atinge a superfície do solo e, a partir desse volume, determinar a área de empoçamento. Esse modelo visa proporcionar maior precisão na previsão de áreas afetadas por vazamentos, substituindo procedimentos conservadores impostos pela norma atual.
O objetivo geral do projeto foi desenvolver uma ferramenta computacional robusta para a simulação e análise de vazamentos de óleo em dutos subterrâneos. Esta ferramenta deveria ser capaz de fornecer informações precisas sobre a extensão e a dinâmica dos derramamentos, contribuindo para a tomada de decisões mais informadas e eficazes na gestão de riscos associados a vazamentos. Para atingir esse objetivo, foram definidos alguns objetivos específicos fundamentais. Primeiramente, estabeleceram-se as condições de contorno e hipóteses simplificadas que seriam utilizadas no desenvolvimento do modelo, essenciais para garantir a consistência e a aplicabilidade dos resultados. Em seguida, realizou-se uma revisão detalhada da literatura existente para identificar modelos matemáticos e abordagens que pudessem ser adaptados para o contexto do projeto.
Além disso, foi proposto e desenvolvido um modelo matemático adequado, capaz de representar com precisão os processos físicos envolvidos nos vazamentos de óleo em dutos subterrâneos. Também houve pesquisa e avaliação acerca dos softwares comerciais disponíveis para a implementação do modelo, selecionando então a ferramenta mais adequada com base em critérios de desempenho, usabilidade e flexibilidade. A validação do modelo proposto foi um passo essencial. Essa validação foi realizada com base em dados experimentais e de literatura, garantindo a precisão e a confiabilidade das simulações realizadas. A combinação desses objetivos específicos visou assegurar que a ferramenta desenvolvida fosse eficaz e confiável na análise de vazamentos de óleo, proporcionando suporte valioso para a gestão de riscos em situações reais.
2. Modelo e Implementação
Para o desenvolvimento do modelo MEAPVAS, foi necessário o estabelecimento de condições de contorno precisas, considerando a conservação da massa e a aplicação da lei de Darcy para o escoamento em meios porosos. Essas condições são essenciais para garantir a precisão e a consistência dos resultados obtidos nas simulações. A revisão bibliográfica extensa permitiu identificar modelos matemáticos e abordagens similares que poderiam ser adaptados para o desenvolvimento do MEAPVAS. Esse levantamento incluiu estudos sobre escoamento em meios porosos, modelos de vazamento de óleo e ferramentas computacionais usadas em simulações ambientais.
O modelo matemático proposto aplica-se a cenários de vazamento de óleo em dutos subterrâneos, considerando um sistema trifásico composto por hidrocarboneto, água e ar em um meio poroso homogêneo e isotrópico. Esse cenário representa condições reais de vazamentos, permitindo uma análise detalhada dos processos físicos envolvidos. As principais hipóteses do modelo incluem a simplificação bidimensional com simetria axial, escoamento isotérmico, fases incompressíveis e o desprezo da pressão capilar.
O modelo Black Oil foi adotado como base para o desenvolvimento do MEAPVAS. Este modelo, amplamente utilizado na indústria de petróleo para simular escoamento de fluidos em meios porosos, foi adaptado para considerar as condições específicas de vazamentos em dutos subterrâneos. Para a implementação do modelo, foram avaliados os softwares comerciais disponíveis. O COMSOL Multiphysics foi selecionado como a plataforma principal devido à sua flexibilidade, ferramentas integradas para a criação de aplicativos e capacidade de realizar simulações complexas de forma eficiente. O ANSYS Fluent também foi avaliado, mas considerado menos adequado devido à sua complexidade e necessidade de ajustes frequentes para diferentes condições de simulação. As premissas do MEAPVAS, baseadas no modelo Black Oil e em hipóteses adicionais para garantir a estabilidade e precisão, foram detalhadas. Durante a implementação no COMSOL, consideraram-se essas premissas de cálculo e os requisitos de estabilidade do modelo, realizando ajustes específicos para assegurar que o modelo pudesse simular diferentes cenários de vazamento de forma eficiente e precisa.
Testes de estabilidade foram realizados para demonstrar que o modelo é capaz de operar sob diferentes condições de contorno sem necessidade de ajustes constantes, um fator crucial para a aplicação em estudos de caso e para a confiabilidade dos resultados obtidos. A validação do modelo MEAPVAS foi feita com base em comparações com resultados publicados na literatura, utilizando cenários similares de vazamento em dutos subterrâneos. A validação é fundamental para garantir a precisão e a confiabilidade das simulações realizadas. Um exemplo detalhado da aplicação do MEAPVAS a um cenário de vazamento foi apresentado, demonstrando a precisão e a eficiência do modelo. Este exemplo ilustra a capacidade do modelo de representar cenários reais de vazamentos e fornecer informações úteis para a gestão de riscos.
3 – Desenvolvimento da Interface
No desenvolvimento do projeto, foram criadas interfaces preliminares para conectar o aplicativo em MATLAB com o modelo implementado no COMSOL, com o objetivo de facilitar o uso do software por usuários finais. Essas interfaces permitem a execução de simulações e a visualização dos resultados de maneira intuitiva, proporcionando uma experiência mais acessível e eficiente para os usuários.
Para garantir que indivíduos sem conhecimento técnico pudessem operar o modelo e interpretar os resultados das simulações, foi desenvolvida uma interface de usuário intuitiva. Esta interface inclui gráficos e ferramentas de visualização que facilitam a análise dos dados gerados pelo modelo, tornando a interpretação dos resultados mais simples e prática.
Com base no feedback dos testes iniciais, foram realizados ajustes no aplicativo para melhorar sua usabilidade e integração com o modelo MEAPVAS. Esses ajustes envolveram melhorias na interface de usuário, otimização dos processos de simulação e correção de bugs identificados durante os testes. Essas mudanças garantem que o aplicativo funcione de forma mais eficiente e atenda melhor às necessidades dos usuários.
Além disso, foram realizadas atividades complementares para aprimorar o aplicativo e preparar a documentação necessária para sua utilização. Essas atividades incluíram a elaboração de manuais de usuário, a realização de workshops para treinamento de usuários e a implementação de melhorias contínuas com base no feedback recebido. Essas iniciativas asseguram que os usuários estejam bem informados e capacitados para utilizar a ferramenta de forma eficaz, promovendo uma utilização mais ampla e bem-sucedida do modelo MEAPVAS.
4 – Estudos de Caso
Caso 1:
Este estudo de caso simulou o vazamento de nafta em solo arenoso com permeabilidade na ordem de 0,0000000001 m². Parte do fluido aflorou à superfície, enquanto outra parte se deslocou para baixo e lateralmente dentro do solo. A velocidade de liberação do fluido aumentou até atingir um valor máximo, indicando que o solo ao redor do vazamento se saturou completamente. As vazões mássicas vazadas e afloradas também se estabilizaram após cerca de 6 horas.
Os resultados da simulação indicaram que a massa total de fluido liberada foi de aproximadamente 538.000 kg aflorando à superfície, representando um volume de 532 m³ em 7 horas. A fração em massa do fluido aflorado foi de pouco mais de 65%, sugerindo que considerar que todo o fluido aflora à superfície é uma abordagem conservadora. As taxas de vazamento e afloramento estabilizadas puderam ser usadas para estimar futuras quantidades sem a necessidade de simulações prolongadas.
Tabela – Dados de entrada do estudo de Caso 1
Parâmetro | Valor |
---|---|
Pressão no duto | 1E+6 Pa |
Permeabilidade intrínseca do solo | 2,753E-11 m2 |
Porosidade | 0,359 |
Densidade do ar | 1,29 kg/m3 |
Viscosidade do ar | 1,72E-5 Pa.s |
Densidade do fluido vazado | 663 kg/m3 |
Viscosidade do fluido vazado | 3,25E-4 Pa.s |
Saturação residual do ar | 0,01 |
Saturação residual do fluido vazado | 0,1 |
Limite de entrada da pressão capilar () | 2000 Pa |
Fator de distribuição de tamanho de poro (λ) | 2 |
Tempo simulado | 7 h |
Distribuição de saturação do líquido vazado para o estudo de Caso 1 ao fim do período de 7h
Velocidade de liberação do fluido no solo a partir do duto em função do tempo para o estudo de Caso 1
Vazões mássicas liberada do duto e aflorada na superfície em função do tempo para o estudo de Caso 1
Caso 2:
Este estudo de Caso também simulou o vazamento de nafta, mas com uma permeabilidade do solo dez vezes menor do que no caso 1, ou seja, 0,000000000003 m². Todos os outros parâmetros foram mantidos iguais. A massa total de fluido liberada do duto foi de aproximadamente 44.000 kg, enquanto a massa de fluido aflorada à superfície foi de cerca de 23.500 kg, correspondendo a um volume de 35 m³ em 7 horas. A fração em massa de fluido aflorado em relação ao vazado foi de pouco mais de 53%, indicando que considerar que todo o fluido aflora à superfície é conservador.
A menor permeabilidade do solo resultou em uma vazão de vazamento e afloramento reduzida, conforme previsto pelo modelo de Darcy. A velocidade de vazamento foi aproximadamente dez vezes menor, e a pluma de saturação avançou menos, refletindo a maior resistência do solo ao vazamento. Esses resultados são coerentes com as expectativas, demonstrando a consistência do modelo de simulação.
Tabela – Dados de entrada para o estudo de Caso 2
Parâmetro | Valor |
Pressão no duto | 1E+6 Pa |
Permeabilidade intrínseca do solo | 2,753E-12 m2 |
Porosidade | 0,359 |
Densidade do ar | 1,29 kg/m3 |
Viscosidade do ar | 1,72E-5 Pa.s |
Densidade do fluido vazado | 663 kg/m3 |
Viscosidade do fluido vazado | 3,25E-4 Pa.s |
Saturação residual do ar | 0,01 |
Saturação residual do fluido vazado | 0,1 |
Limite de entrada da pressão capilar () | 2000 Pa |
Fator de distribuição de tamanho de poro (λ) | 2 |
Tempo simulado | 7 h |
Distribuição de saturação do líquido vazado para o estudo de Caso 2 ao fim do período de 7h
Velocidade de liberação do fluido no solo a partir do duto em função do tempo para o estudo de Caso 2
Vazões mássicas liberada do duto e aflorada na superfície em função do tempo para o estudo de Caso 2
Caso 3:
O estudo de Caso 3 simulou o vazamento de nafta em condições similares aos casos anteriores, mas com uma pressão no duto de 0,000005 Pa e permeabilidade do solo de 0.000000000002 m2. A simulação indicou que o volume total vazado foi de 404 m3, com 311 m3 aflorando à superfície, correspondendo a 77% do volume total vazado. A massa total de fluido liberada foi de 268000 kg, com 206000 kg chegando à superfície. Esses resultados sugerem que, apesar de uma pressão elevada, a maioria do fluido vazado alcançou a superfície, sendo o volume aflorado menor do que 100%, o que é consistente com as observações de que o solo retém parte do fluido.
Tabela – Dados de entrada para o estudo de Caso 3
Parâmetros | Valor |
Volume aflorado | 311 m3 |
Volume total vazado | 404 m3 |
A fração em volume de fluido aflorado em relação ao vazado | 77% |
Área de poça para superfície plana e considerando lâmina de 3 cm | 10E+3 m2 |
Massa total de fluido liberada do duto | 268E+3 kg |
Massa de fluido aflorada para a superfície | 206E+3 kg |
Distribuição de saturação do líquido vazado para o estudo de Caso 3
Vazões mássicas liberada do duto e aflorada na superfície em função do tempo para o estudo de Caso 3
Caso 4:
O estudo de Caso 4 simulou o vazamento de nafta em condições de baixa pressão e com um furo no duto. No caso 4, a pressão no duto foi de 0,0000005 Pa e a permeabilidade do solo foi de 0,00000000002 m2. A simulação resultou em um volume total vazado de 24 m3, mas nenhum fluido aflorou à superfície. A massa total de fluido liberada foi de 0 m3 chegando à superfície. Esses resultados indicam que, com uma pressão significativamente menor e um tipo de dano diferente (furo), o solo reteve todo o fluido vazado, sem qualquer afloramento à superfície.
Tabela – Dados de entrada caso 4
Parâmetros | Valor |
Volume aflorado | 0 m3 |
Volume total vazado | 24 m3 |
A fração em volume de fluido aflorado em relação ao vazado | 0% |
Área de poça para superfície plana e considerando lâmina de 3 cm | 0 m2 |
Massa total de fluido liberada do duto | 16E+3 kg |
Massa de fluido aflorada para a superfície | 0 kg |
Distribuição de saturação do líquido vazado para o estudo de Caso 4
Vazões mássicas liberada do duto e aflorada na superfície em função do tempo para o estudo de Caso 4
5 – Considerações finais
O projeto foi concebido com o objetivo de desenvolver uma ferramenta matemática para determinar a área de empoçamento a partir de vazamentos em dutos enterrados, trazendo benefícios técnico-econômicos e tecnológicos para o setor de Petróleo e Gás. O modelo proposto considerou duas simetrias de orifício nos cálculos da simulação: furo (5% de rompimento) e ruptura (100% de rompimento). Conforme esperado, o modelo foi capaz de representar a percolação através do meio poroso, indicando que parte do fluido liberado permanecia no subsolo, enquanto outra parte aflorava, dependendo das características do solo, dos fluidos envolvidos, das condições de umidade, do nível do lençol freático, da profundidade do duto, da pressão no duto e da natureza e posição do dano.
O modelo demonstrou que, em certas condições, nenhum volume do fluido vazado chegava à superfície, o que representa um avanço significativo em relação às premissas conservadoras das legislações vigentes. Assim, o modelo servia de suporte para gestores ambientais de empreendimentos petrolíferos, auxiliando na tomada de decisões mais assertivas com base em elementos que determinam o comportamento dos produtos vazados no solo.
O produto deste projeto, na forma de um modelo numérico (MEAPVAS – Modelo de Estimativa de Área de Poça para Vazamentos em Subsolo) implementado em plataforma computacional comercial (COMSOL Multiphysics), trouxe as ferramentas necessárias para a determinação do volume que chega à superfície do solo e que se acumula na forma de um empoçamento, a partir de vazamentos de dutos enterrados. O modelo considerava características do solo, do produto vazado (e suas características), e informações do duto, como pressão no interior, gerando uma interface que transmitia para o usuário informações relevantes sobre o volume de produto vazado e o destino deste volume considerando duas geometrias de danos (furo e ruptura completa) causados ao duto.
Esta ferramenta tinha o intuito de dar suporte técnico na tomada de decisão em eventos de análise dos riscos atrelados à construção e operação de dutos enterrados de transporte de combustíveis e nas atividades de contenção de potenciais vazamentos, onde o principal beneficiário dos resultados do projeto eram as unidades operacionais terrestres do setor de petróleo, gás natural e biocombustíveis. O modelo desenvolvido também podia ser útil em tratativas junto aos órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento e fiscalização deste tipo de empreendimento, na definição da área de empoçamento empregando uma abordagem mais assertiva e baseada em dados de modelamento dos cenários de vazamento.
Conforme definido no escopo inicial do projeto (anteriormente ao aditivo de escopo contratual), era recomendável que o processo de validação fosse realizado em escala de bancada. A bancada, prevista originalmente para o projeto, foi mais tarde desconsiderada devido à interrupção no repasse de recursos causada pelo plano de resiliência adotado pela Petrobras durante a pandemia de COVID-19. Ensaios de bancada, realizados em um modelo físico com um duto enterrado e equipado com instrumentação para monitoramento, facilitariam o controle dos parâmetros de simulação, gerando maior confiança na validação do modelo matemático.